Uma parceria liderada pela Shell envolvendo RCGI, Raízen, Hytron, Toyota e Senai Cetiqt anunciou, no mês passado, o início das obras, nas instalações da USP, da primeira estação experimental de abastecimento de hidrogênio renovável do mundo, feito a partir do etanol.
O local também abrigará uma planta de produção de hidrogênio a partir do etanol com um reformador desenvolvido e produzido pela Hytron. A empresa nasceu há cerca de 20 anos como startup dentro da Unicamp e, em 2021, foi adquirida pelo grupo alemão Neuman & Esser (NEA).
Segundo o gerente de tecnologia de baixo carbono da Shell, Alexandre Breda, o mundo inteiro avalia o uso de hidrogênio na mobilidade, inclusive por meio de metanol e amônia. De qualquer forma, é um produto difícil de ser transportado na forma gasosa e muito caro na forma líquida.
O etanol, já usado em carros híbridos flex e em breve em híbridos plug-in, vai ser uma opção, e com vantagens extras, inclusive em relação ao uso de energia eólica e solar no processo, que também começa a ser explorado.
Três plantas de hidrogênio
A Shell e seus parceiros decidiram puxar a agenda para tornar o etanol ainda mais relevante na transição energética, diz Breda. O primeiro passo é a planta-piloto, que receberá investimento de R$ 50 milhões da companhia.
A planta deve entrar em operação no segundo semestre de 2024 e terá capacidade para produzir 50 metros cúbicos de hidrogênio por hora, suficientes para abastecer apenas um automóvel – o Mirai, fabricado no Japão e cedido pela Toyota para os testes – e três ônibus da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), que vão circular no campus da universidade.
“O objetivo da planta-piloto é validar o processo e comprovar a eficiência do etanol”, diz Breda. A validação de cálculos sobre as emissões e custos do processo de produção de hidrogênio, comparativo de desempenho dos veículos e preços ao consumidor ficarão a cargo do RCGI.
“Nossa estimativa no momento é de que o custo da produção de hidrogênio a partir de etanol é comparável ao do hidrogênio do gás natural no contexto brasileiro”, adianta Meneghini. “Já as emissões são comparáveis ao processo de eletrólise da água alimentada com energia eólica.”
No início de 2025, uma segunda planta dez vezes maior, com capacidade para 500 metros cúbicos por hora, será instalada em um cliente industrial da Shell ainda a ser definido. Ela será voltada principalmente ao hidrogênio usado pelas indústrias química, alimentícia, de mineração e siderúrgica, que hoje têm como vetor o gás natural.
Na sequência, há um plano para uma planta capaz de produzir 5 mil metros cúbicos de hidrogênio por hora, mas sua construção dependerá dos resultados de viabilidade da planta experimental e de parcerias com investidores. Não há, ainda, previsão para o fornecimento do hidrogênio sustentável em postos de combustíveis.
Essa fase tem de acompanhar a chegada ao País de automóveis a célula de combustível em maior escala, o que deve demorar, admite Breda. “Principalmente aqui no Brasil, onde ainda vamos passar pela etapa do carro híbrido a etanol, pelos elétricos e depois ir para os de célula a combustível.”
O executivo, no entanto, vê chances de a tecnologia chegar comercialmente mais cedo aos ônibus e caminhões. Seria uma forma de descarbonizar um setor hoje dependente do diesel.
Nossa estimativa no momento é de que o custo da produção de hidrogênio a partir de etanol é comparável ao do hidrogênio do gás natural no contexto brasileiro”
Julio Meneghini, diretor científico do centro de pesquisa da USP
Cerca de 90% do total de hidrogênio usado no mundo é produzido com gás natural. A parte restante está sendo feita por meio de energia eólica e solar, pelo processo de eletrólise. O uso desse tipo de energia renovável deve aumentar ao longo dos próximos anos. Hoje, a produção de hidrogênio verde chega a custar até quatro vezes mais do que a do cinza.
Lá fora, a desvantagem do H2 feito com energia solar e eólica é a intermitência de ventos e sol, dependendo da região. No Brasil, o problema principal é que os locais onde esses fenômenos naturais são frequentes nem sempre são próximos ao mercado consumidor e seu transporte pode encarecer o preço do produto, além de emitir CO2.
Para Meneghini, a logística de transporte do etanol já está disseminada e, com a instalação de reformadores, os próprios postos de combustível poderão produzir o hidrogênio. Já o uso de outro tipo de vetor, como metanol ou gás, exigiria mais estruturas. Um posto de abastecimento de hidrogênio custa cerca de R$ 8 milhões, segundo a GWM.
Em relação aos carros 100% elétricos, a vantagem é que o de célula a combustível, por gerar internamente sua energia, precisa de uma bateria pequena, não recarregável, para dar suporte à transmissão da energia para o motor elétrico.
“Os veículos a hidrogênio são mais leves e poderão ser abastecidos em cinco minutos, enquanto um elétrico precisa ficar a noite inteira na tomada para carregar ou de meia a uma hora se tiver um carregador rápido no posto”, compara Meneghini.
O professor da USP também vê a necessidade de maior urgência dessa tecnologia para caminhões e ônibus. Ele cita que um veículo elétrico desse porte chega a carregar duas toneladas de baterias, o que exige suspensões mais potentes e causa danos no asfalto, por exemplo.
Ele ressalta ainda que o aumento gradual da produção de hidrogênio por meio de energia eólica ou solar também pode trazer vantagens ao Brasil. Em sua opinião, o País pode ser um player mundial na produção de hidrogênio a partir dessas energias renováveis até para exportação.”
Segundo a Nissan, trabalham no projeto equipes de engenharia do Brasil e do Japão. O grupo também avalia usar a mesma tecnologia para célula de combustível para motores estacionários (geradores), que poderão gerar energia para diferentes instalações, como edifícios e fábricas.