A ANP vai decidir na próxima sexta-feira, 5, se aumenta os estoques obrigatórios de diesel de produtoras e distribuidoras entre setembro e novembro para fazer frente ao risco de desabastecimento. Se por um lado a medida ajuda a afastar os riscos de uma crise no setor, a medida aumenta os custos logísticos do mercado, que prevêem repassá-los aos postos de gasolina e, logo, ao consumidor final. Tudo no momento em que o governo tenta baixar preços para aplacar a inflação. Especialistas ouvidos pelo Broadcast se dividem a respeito.
Na última reunião colegiada da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o diretor da ANP Fernando Moura pediu vistas da minuta da resolução, retirando o assunto da pauta de votação. Ele tende a votar contra a atual redação. Sugeriu que prefere abordagens menos custosas às empresas, como aperfeiçoamento do monitoramento do abastecimento. Mas outros dois dos cinco diretores, o que inclui o diretor-geral da ANP, Rodolfo Sabóia, já indicaram votos favoráveis à mudança de regra, sobretudo após flexibilização que atendeu parte das demandas do mercado. Restam, portanto, dois diretores com votos em aberto.
Ao acomodar parte dos pedidos do setor, o corpo técnico da ANP mudou do período de verificação dos estoques de semanal para quinzenal e permitiu a contabilização de cargas em trânsito marítimo, que alivia a formação dos estoques em terra. O tempo equivalente para o estoque mínimo, no entanto, não foi reduzido, permanecendo em nove, ante os três ou cinco previstos na regra atual. O número de dias, defendem fontes de mercado, é o ponto chave dos custos. Como mostrou o Broadcast, o IBP estima que o valor do litro do diesel distribuído aos postos pelas distribuidoras pode subir até R$ 0,07 (R$ 0,68 por metro cúbico de diesel) enquanto a ANP estima impacto bem menor, de R$ 0,0112 por litro.
Os técnicos da ANP justificam a mudança temporária na regra pela previsão de maior estresse ao abastecimento nacional em um contexto que combina o auge da demanda nacional, ligado à safra agrícola, e uma oferta internacional de diesel mais apertada, devido a guerra na Ucrânia e uma temporada de furacões mais pesada no Golfo do México (EUA). É de lá que vem a maior parte do diesel importado pelo Brasil, mais de um terço do total consumido no país em 2021. Em discurso enfático na última reunião colegiada, Sabóia disse que “conjunturas extraordinárias exigem medidas extraordinárias temporariamente”.
Para a ex-diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, a ANP está sendo “até muito ponderada” ao impor somente nove dias de volume equivalente para os estoques operacionais de diesel frente à conjuntura internacional e a crescente dependência do País ao mercado externo. “No meu tempo, levaria isso tranquilamente para algo entre 15 e 20 dias. O que não pode haver é desabastecimento”, diz Magda.
Ela também é favorável a uma discussão sobre estoques estratégicos, aos moldes do que fazem os Estados Unidos com petróleo bruto e países europeus com derivados. Lá, no entanto, esses estoques são totalmente ou parcialmente pagos com recursos públicos. Magda lembra que o tema das reservas de diesel está na mesa da agência, pelo menos, desde 2015, quando estudos já apontavam a necessidade de se reforçar estoques ante o aumento da dependência de diesel externo.
IBP é contra
Nas etapas de consulta e audiências públicas, o Instituto Brasileiro de Petróleo já se posicionou contra a mudança na regra de formação dos estoques de diesel. Para o instituto, os agentes têm feito uma gestão responsável de estoques e não é preciso aumentar o rigor da regulação.
“O ponto de partida da resolução é falho, porque não se garante abastecimento somente com estoques. De que adianta ter um monte de diesel estocado no Sul e Sudeste, que concentram a tancagem e as refinarias? Isso não vai garantir abastecimento no Norte do país. O mais importante é aperfeiçoar o monitoramento da cadeia”, afirma Valéria.
Ela também argumenta que, além de criar distorções concorrenciais, o critério da regra (8% ou mais de participação no mercado) não atende ao objetivo de evitar uma crise de abastecimento. “Considerando somente a região Norte, há distribuidoras com participação de mercado relevantes, acima da linha de corte, que ficarão livres da nova regra. Essa lógica de média nacional não faz sentido. Qualquer modificação de regra, teria ao menos de levar em conta a realidade das cadeias regionais”, diz a diretora do IBP.
Valéria faz referência às distribuidoras Atem e Equador Energia, que têm cerca de 18,5% e 7%, respectivamente do mercado de distribuição de diesel no Norte do País, ainda assim abaixo de Vibra (27,89%), Ipiranga (20%) e Raízen (19%), segundo dados da ANP. A região Norte é considerada, de longe, a mais exposta a uma crise de abastecimento de diesel, por ter baixa capacidade de refino e armazenamento, além das dificuldades de transporte, por vezes, feito por cabotagem. Em seguida, aparece o Nordeste, que já tem maior capacidade de refino e facilidades logísticas, inclusive para importação.
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues, é outro que se opõe à medida porque “certamente” vai impactar os custos do setor em momento adverso e, com isso, os preços finais ao consumidor. Ele reconhece, no entanto, a necessidade de se precaver às incertezas do mercado externo e afirma que uma alternativa seria, de fato, iniciar um debate sobre estoques estratégicos bancados pelo poder público e não pelos agentes de mercado.
Segundo o último boletim de monitoramento do abastecimento do IBP, as condições do segundo semestre também melhoraram. Há aumento previsto na produção de diesel em refinarias nacionais até o fim do ano e previsão de déficits pequenos, entre 57 mil m³ e 82 mil m³ de diesel, nos meses de setembro, novembro e dezembro, “que poderão ser supridos com os estoques atuais do país”, afirma o IBP.
Fonte: Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo*
*Extraído de Fecombustíveis